Quem pode imaginar que por trás da tristeza ou da hiperatividade de uma criança se escondem sintomas de depressão? Nem os pediatras sabem disso e foi pensando na importância de esclarecer a situação que o psiquiatra José Ferreira Belizário, que atua no Centro Geral de Pediatria (CGP), realizou uma pesquisa sobre o assunto. O resultado é impressionante: 11% das crianças hospitalizadas têm depressão e outras 20% apresentam sintomas da doença. "Trata-se de um grau de sofrimento psíquico alto, que exige intervenção", alerta.
A pesquisa, que teve orientação dos professores Paulo Camargo, pediatra da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Francisco Assunção, psiquiatra da Universidade de São Paulo (USP), faz parte da tese defendida por Belizário e aprovada pelo departamento de Pós-graduação em Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Pesquisa Revela Índices da Depressão Infantil


As crianças tem dificuldades de expressar o que sentem mas sintomas psicossomáticos podem ajudar a definir estados de depressão. Compare: | ||
Faixa etária | Sintomas psíquicos | Sintomas psicossomáticos |
3 a 6 anos | Agitação e inibição | Choros e gritos em paroxismos (sem razão aparente), encoprese ( fazer cocô na calça, mesmo depois que aprendeu a fazer no banheiro), transtorno de sono e de apetite |
7 a 9 anos | Irritabilidade, inseguraça, inibição, comportamento arredio, inibição na aprendizagem | Enurese (fazer xixi na cama mesmo depois que aprendeu a fazer5 no banheiro), terror noturno, manipulação genital, choros paroxísticos |
9/10 a 13/14 anos | Sentimentos de inferioridade, impulsos suicidas, abatimento, meditação com tristeza | Cefaléia ( dores de cabeça ) |
Estresse tem Limite
O estudo comprova que "as crianças com doenças pulmonares e meningite, principalmente, têm três vezes mais chances de desenvolver sintomas de depressão do que outras portadoras das demais patologias". Pior é que esse quadro de sintomatologia depressiva agrava a própria doença ou provoca infecções secundárias, como infecções hospitalares.
Belizário esclarece que as crianças, assim como os adultos, têm um limite para suportar o estresse provocado diante de uma situação nova. Trata-se da chamada "resiliência", ou a capacidade de resistir e reagir. O termo vem da Física e, para entender melhor; o psiquiatra compara com uma bolinha de borracha que murcha quando pressionada e volta ao normal quando a pressão é relaxada.
A resiliência traz em si um dos fatores importantes para o controle do estresse e suas repercussões no sistema imunológico. "O estresse, quando persiste, provoca uma baixa no sistema imunológico, responsável pela defesa do organismo", afirma.
Os pediatras, na opinião de Belizário, ainda não estão atentos ao drama. "Não existe mais o estudo da saúde mental na formação do profissional pediatra", condena. Além disso, os médicos estão sempre sobrecarregados por "muitos problemas clínicos". E exemplifica: "Atendendo no CGP uma criança de 5 anos de idade com um quadro de desnutrição gravíssimo e todos pensávamos em como poder salvá-la. Ninguém havia percebido que ela apresentava sintomas de depressão precoce ( a chamada depressão anaclítica ). Ela estava morrendo e ia ser submetida a cirurgia para reposição de nutriente", conta.
Belizário prossegue, ressaltando a importância da paciente ter recebido a atenção de uma equipe multidisciplinar – pediatria, fisioterapia e saúde mental. "Foi aí que percebemos um problema grave na família. A criança foi um bebê rejeitado na gravidez e, quando a gestação foi aceita, ao invés de nascer um menino, como desejava a família, veio uma menina. Não havia vínculo com a criança. A mãe demonstrou momentos de zelo extremado e outros de ausência completa", diz.
Com o tratamento da criança em sessões de terapia familiar e fisioterapia, a menina recuperou seu desenvolvimento e nem necessitou mais da cirurgia. Hoje, ela está até freqüentando a escola, como qualquer criança. Mas, nem todos os casos tem o mesmo final feliz.
Internação Contribui
Se é difícil acreditar que as crianças podem sofrer depressão, mais surpreendente é saber que elas estão sujeitas a desenvolver a doença dentro de um hospital. A pesquisa do psiquiatra José Ferreira Belizário foi realizada com 90 crianças da faixa etária entre 7 e 13 anos, durante as 36 primeiras horas de internação no Centro Geral de Pediatria (CGP). O estudo aponta a necessidade de despertar a comunidade médica pare "a existência de uma patologia dentro do hospital que precise ser notada". Belizário lembra, no entanto, que a situação é semelhante nos consultórios, onde os pediatras também devem estar atentos e acompanhar processos de depressão infantil.
As crianças foram submetidas ao Questionário de Depressão Infantil criado na década de 60 pela psiquiatra norte-americana Maria Kovacs -, em entrevistas padronizadas abordando 27 itens, entre os quais "ideação suicida", "relacionamento escolar", "relacionamento familiar", "rendimento escolar", "renda familiar", "escolaridade da mãe", "internações hospitalares anteriores", "faixa etária", "tipo de doença" e outros.
Belizário explica que quanto maior a pontuação, maior o estado de depressão da criança. Consideram-se portadores de sintomatologia depressiva todas as que alcançaram pontos iguais ou superiores a 18. A pesquisa revela que 20% das crianças hospitalizadas encontram-se nessa situação de sofrimento psíquico. Acima de 22 pontos, considera-se que a criança está com transtorno depressivo, ou seja, a própria depressão - detectada em 11% das crianças.
O psiquiatra avalia que essas crianças, na verdade, precisam ser melhor acolhidas nos hospitais, pois muitas vezes os sintomas da depressão aparecem porque elas se sentem culpadas por estarem doentes e mesmo acreditarem que a doença que têm é mais grave do que o que os médicos lhes revelam. (AK)

Sintomas Comuns aos Adultos
"Depressão é o nome de um estado de espirito", define o psiquiatra José Ferreira Belizário. A doença se apresenta sob três formas distintas, conforme explica. Os chamados "sintomas depressivos" são aqueles que "todo mundo tem um dia", quando acorda e sente que está "cansado da vida". Há sensações de tristeza, angústia e desamparo, mas "o ser humano é capaz de resolver por si o problema".
A "Síndrome depressiva" apresenta as mesmas sensações dos sintomas depressivos, mas é acompanhada de insônia, diminuição do apetite, baixa na auto-estima, sentimento de culpa e, no caso das crianças, um dado muito importante, é a alteração do poder de concentração.
O "Transtorno depressivo" é a doença propriamente dita, caracterizada por todas as características anteriores, mas num quadro que se apresenta mais constante, interferindo na vida cotidiana da pessoa.
Na pesquisa que realizou, Belizário encontrou diferenças significativas: "Crianças com menos de 9 anos apresentam chances maiores de alta sintomatogia depressiva, principalmente decorrente da angústia pela hospitalização", explica. Outro dado relevante é que "crianças com família de renda inferior a R$ 200,00 por mês, estão mais expostas à essa sintomatologia depressiva".
Traumas estão na Origem do Mal
A procedência das crianças é diversificada e desmonta o mito de que os meninos e meninas moradoras de zonas rurais estão livres da depressão. Sandra, 27 anos, nunca imaginou que a filha Amanda, 7, poderia estar sofrendo de depressão. A família reside na área rural da Zona da Mata mineira e sobrevive da lavoura. A mãe conta que a garota quebrou o braço numa brincadeira há cerca de um ano. "Ela chegou ao hospital gritando e acho que ficou traumatizada", diz.
O trauma de Amanda atingiu Sandra que, preocupada "demais" com a criança, passou a restringir suas brincadeiras. Em menos de um ano após o acidente, a menina começou a ter cores de cabeça constantes que, segundo avalia o psiquiatra José Belizário, "são sintomas claros da depressão". Zelosa, Sandra buscou ajuda médica em cidades vizinhas, mas acabou no CGP com Amanda.
No hospital a menina ficou dez dias sem falar uma só palavra, preocupando médicos e familiares. Há seis meses, no entanto, ela e a família participam de sessões de terapia e Amanda voltou a ser uma criança sadia e brincalhona. "Gosto de brincar de pique-alta e comer macarronada", confessa, hoje, a menina, caindo na gargalhada.
A mesma sorte não teve o garoto de rua Evandro, 8 anos, que chegou ao CGP com insuficiência cardíaca. Hiperativo, ele "aprontava todas" no hospital com demonstrações de hostilidade e distúrbios de comportamento. A equipe de saúde mental descobriu seu estado depressivo. Com as sessões de terapia e uso de medicação antidepressiva, Evandro chegou a voltar pare casa. Mas novas decepções o fizerarn interromper o uso da medicação e a terapia. Ele está nas ruas onde encontrou veneno certo para sua doença: o garoto é viciado em crack.
Foram usados nomes fictícios para os casos citados
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