Artigo do Repórter SACI Voluntário Wiliam Machado debate questões que vão da demanda social aos entraves corporativistas.
Comentário SACI: Recebido em 10/01/2008
Wiliam C. A. Machado
Faz tempo que constato anseio de muitas pessoas com deficiência física severa, seus familiares e/ou pessoas significativas, além de perceber consenso entre profissionais de saúde que atuam na atenção básica e nos programas institucionalizados de reabilitação, sobre a incontestável necessidade de o poder público disponibilizar cuidadores domiciliares para atuar nas comunidades, Brasil afora. Imperativa para quem vivencia o cotidiano de pessoas que dependem de cuidado e ajuda de terceiros para as mínimas coisas, da mesma forma imprescindível no entendimento de profissionais de saúde diretamente envolvidos na reabilitação dessas pessoas, a presença do cuidador domiciliar pode ser comparada à necessidade diária de alimento para que qualquer ser humano sobreviva.
As necessidades de cuidados/ajudas dessas pessoas para com a presença sistemática do cuidador domiciliar são inúmeras, a começar pelo seu acentuado grau de comprometimento funcional para o provimento do autocuidado corporal, necessidades em graus variados da ajuda de outros para o desempenho das atividades da vida diária, como o vestir-se, calçar-se, banhar-se, alimentar-se, sozinho. Uma listagem de aspectos próprios das necessidades humanas básicas, sem as quais o bem-estar, a auto-estima, a apresentação, convivência e inclusão social dessas pessoas seriam inviáveis.
Com o acentuado envelhecimento da população brasileira nas últimas décadas, aumentou-se significativamente a demanda de cuidadores domiciliares para idosos, porém, cursos de formação para cuidadores de idosos não foram oferecidos no mesmo ritmo, obrigando quem deles precise recorrer ao mercado de trabalho informal e pessoas desqualificadas para tal atividade. Ressalta-se que o grupo de idosos é também composto por pessoas com doenças neurológicas degenerativas, como, Alzheimer, Parkinson, entre outras que, a depender do estágio da doença, se enquadram na categoria deficiência física severa. Condições humanas que requerem cuidados e ajuda profissional especializados para acesso ao direito de sobreviver com dignidade, evidentemente.
Pautado na experiência profissional ao longo de três décadas na área assistencial de enfermagem hospitalar e como docente de cursos de graduação e pós na área de ciências da saúde, além de pesquisador da qualidade de vida e saúde das pessoas com deficiência, reconheço a pertinência/premência da oferta de cursos para formação de cuidadores, mas não posso negar que alguns entraves de caráter corporativistas na defesa de mercado de trabalho, remetem ao exercício profissional do auxiliar e do técnico de enfermagem. Então, questiono: Não seria o caso de se criar cursos de especialização em cuidados domiciliários de pessoas com deficiência física severa para auxiliares e técnicos de enfermagem? Tal iniciativa contemplaria tanto a demanda crescente de cuidadores domiciliares quanto preservaria intactos espaços no mercado de trabalho, fruto das especulações corporativistas da enfermagem.
Da mesma forma parece-nos imperativa a oferta de cursos de difusão cultural para formação de cuidadores domiciliares, inclusive de pessoas com deficiência física severa, abertos para a comunidade em geral, considerando a realidade da desigualdade social/educacional e singularidades dos 5.564 municípios brasileiros. Em especial no pleno reconhecimento de que, em algumas centenas deles, inexistem ofertas de cursos para formação de auxiliares e técnicos de enfermagem, mesmo assim existe clientela para tal demanda em todos os municípios brasileiros, conforme dados do censo do IBGE 2000 e da contagem populacional de 2007. Para os casos dos municípios que não dispõem da oferta de cursos para formação de auxiliares e técnicos de enfermagem, havemos de atentar para o fato de que todos possuem em sua estrutura de Governo Municipal, uma Secretaria de Saúde, a qual deveria designar enfermeiro do seu quadro para se responsabilizar pela disponibilização de tais cursos, em atendimento a demanda local.
Vale ressaltar que na maioria dos casos, seja nas regiões mais desenvolvidas, seja naquelas carentes de tudo, em todo o território nacional, são os próprios membros das famílias, predominantemente incansáveis mães/pais, alguns já desgastados pelo peso do cotidiano e/ou idosos, que se encarregam do cuidado dessas pessoas, sem que tenham recebido menor orientação profissional específica. Mais uma questão surge: Por que negligenciar uma demanda social em nome da preservação de interesses fundamentalmente corporativistas? E o cuidado da saúde do ser humano, onde ficaria?
Finalmente, cabe enfatizar a premência de se transpor quaisquer barreiras para criação e implementação de cursos de difusão para cuidadores de pessoas com deficiência física severa, em todo o Brasil, sobretudo, sob sistemático processo de avaliação e acompanhamento de seus pares com formação, qualificação e/ou experiência de usuários de tais serviços. Afinal, não devemos perder de sintonia a máxima: "Nada sobre nós sem nós".
Prof. Dr. Wiliam César Alves Machado
Presidente do CMPDE
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